Raça, Higiene Social e Nação Forte - Mitos de uma época

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Autora(org): Maria Lúcia Boarini

Editora: EDUEM

Ano de Publicação: 2011

Prefácio: O início do século XX foi cercado por um clima de grande otimismo, criado pela expectativa de realização os avanços que a ciência estava anunciando. E havia razão para tal, a julgar pelo que a ciência e a tecnologia nos reservaram nos cem anos seguintes: o notável desenvolvimentos dos transportes, da comunicação, da medicina, enfim, qualquer que seja o campo que focalizarmos, veremos que aquelas expectativas da passagem do século XIX eram modestas frente às realizações do homem. A despeito desse extraordinário avanço cientifico e tecnológico, o clima final de século foi muito diverso. As avaliações como as de Isaiah Berlin, de que teria sido o mais terrível e destrutivo século da história da humanidade, estavam próximas do consenso. Ao finalizar o livro A era dos extremos, Eric Hobsbawm1 afirmava que o 'breve século XX terminava com a humanidade tendo a tarefa de enfrentar problemas para os quais ninguém tinha, ou dizia ter, soluções'. Iniciamos, desta forma, o novo século e milênio de uma forma totalmente diversa da anterior: o otimismo propiciado pelas perspectivas do avanço cientifico no início do século XX é substituído por um pessimismo em relação à nossa própria capacidade de lidar com o futuro. Razões para essa preocupação não nos faltam: para lembrar alguns pouquíssimos exemplos, a degradação ambiental, o extraordinário poder destrutivo do arsenal bélico armazenado pelos países do capitalismo central e, mesmo, periférico, e a imensa desigualdade social exacerbada no último século criando uma outra cisão no mundo, no dizer de J-C Ruffin2, 'os novos bárbaros'. Uma das grandes questões postas para a humanidade, sobretudo na primeira metade do século XX, foi a possibilidade de, conforme a premissa da eugenia galtoniana e com os conhecimentos científicos então disponíveis, manipular 'os fatores físicos e mentais socialmente controláveis' que poderiam melhorar a espécie humana. Eis que, sem termos tido a capacidade de equacionar satisfatoriamente os problemas deixados pelo século que findou, o desenvolvimento científico recente nos coloca diante de novos desafios. Com uma diferença não-desprezível com relação ao início do século XX: o desenvolvimento de campos como a biotecnologia, a engenharia genética, a nanotecnologia abre a possibilidade real de realizar o ideal galtoniano. Marcos Nalli, em um dos estudos que compõem esta coletânea, lembra com muita propriedade que existem componentes éticos, políticos e epistemológicos a serem considerados no debate sobre a eugenia. Se, porventura, como Lilian Mai e Emilia Angerami3 ao discutir as chamadas ´eugenia positiva e negativa´ denunciam a virtual ausência de debate sobre as implicações éticas e sociais entre médicos, geneticistas e cientistas de domínios conexos, o mesmo não pode ocorrer entre os cientistas sociais. E, mais do que isso, é tarefa urgente ampliar esse debate. Mas posturas obscurantistas não nos ajudam nesta questão. Não podemos substituir a indispensável interlocução pela defesa míope de posições unilateralmente definidas, como é, infelizmente, prática corrente no meio acadêmico. O antigo antagonismo nature-nurture não pode ser reeditado para segregar os campos. Como lembra muito bem Nalli, não é o caso de tratar a eugenia como um embuste, inclusive, porque nós nos defrontamos cotidianamente com decisões que a envolvem, eventual e por vezes inadvertidamente, tomando posições. O que dizer do aborto eugênico, legal em diversos países? Ou das técnicas de reprodução assistida? Sempre é conveniente lembrar com Habermas4, que a fronteira entre a terapia e a eugenia é muito tênue. Talvez seja imperioso no combate da tese da ´nova eugenia´- de que as decisões sejam fundamentalmente de ordem médica -, discutir as ´barreiras normativas’ à intervenção na vida humana propostas por Habermas, o que demandará a consideração dos componentes políticos, éticos e epistemológicos discutidos por Nalli. É nesse difícil terreno que se move a presente obra. Estimular o debate, com base sobretudo nos estudos de caráter histórico, sobre temas que orbitam em torno das questões acima aludidas – eugenia, higienismo, raça – é a tarefa a que se propõe o livro. E o faz a partir de analises que partem de angulações teóricas e posicionamentos diversos, que é marca do debate acadêmico. Por tudo o que foi dito, a conclusão só pode ser uma: a obra que o leitor ora tem em mãos é mais do que atual; ela é uma leitura indispensável.

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