Entre textos e contextos: o lugar social da loucura em Rio Branco/AC
Acadêmico: Vânia Damasceno Costa
Orientadora: Maria Lucia Boarini
Ano: 2022
Resumo: O presente estudo, cujo escopo é conhecer e refletir sobre o lugar social da loucura em Rio Branco/AC, buscou elucidar parte dessa história e apreender sobre as incursões da reforma psiquiátrica, em uma região pouco conhecida e afastada dos grandes centros. O intuito é auxiliar no desvelamento do contraditório e das condições materiais que corroboram para o lugar que é destinado à loucura em meio à organização social do capitalismo e das especificidades que constituem esta organização em Rio Branco. Delineamos nosso estudo como uma pesquisa documental, que teve como recorte temporal, a inauguração do hospital psiquiátrico em Rio Branco em 1978 e como marco final a inauguração do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Rio Branco, para os cuidados de pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, o CAPS II Samaúma em 2018, para tal utilizamos as seguintes fontes: jornais de circulação em Rio Branco, levantamento realizado na Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital; jornais digitais; atas de reuniões do Conselho Municipal de Saúde de Rio Branco; prontuários de internação e do ambulatório do Hospital de Saúde Mental do Acre (Hosmac). A análise dos resultados se deu à partir da legislação de saúde mental vigente no Brasil, no período estudado, e à luz de concepções que compreendem o mundo e a sociedade pela ótica da historicidade, considerando a dinamicidade e os contraditórios no bojo desta organização social. Os resultados desta pesquisa demonstram a persistência do hospital psiquiátrico como o lócus da loucura em Rio Branco e assim como o dispositivo assistencial prioritário para as pessoas em sofrimento psíquico. Foram os jovens adultos, considerados improdutivos, de baixa escolaridade que alimentaram as internações e as reinternações do Hosmac. Para o louco parece não haver alternativas e nem mesmo o poder de escolhas, pois para quem perdeu o poder contratual e desta forma o seu valor social, não seria útil nesta sociedade que exige, produtividade e força de trabalho, condição sine qua non para o projeto societário capitalista. Este lugar da loucura esteve entrelaçado pelos enfeixes manicomiais, apresentando o louco como figura perigosa, robustecendo a compreensão da loucura pelo viés da periculosidade. Este lugar do hospital psiquiátrico em Rio Branco também é corroborado pela persistência e hegemonia do paradigma psiquiátrico e pelo pouco investimento e não consolidação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município, capaz de transformar esse lugar social da loucura. Estes contornos tiveram influência da própria história da formação do estado do Acre e da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) nesse território. Outro aspecto relevante neste desvelamento perpassa pelo controle social, o qual teve sua gênese marcada por cooptação política e funcionamento precário do Conselho Municipal de Saúde de Rio Branco, demonstrou, no período pesquisado, pouca apropriação dos pressupostos e princípios da reforma psiquiátrica, culminando em escassas reivindicações e debates, propiciando uma participação social pautada por cumprimento de normativas, mesmo quando estas feriam o ideário da reforma psiquiátrica brasileira. Sem ingenuidade política, vale ressaltar que as políticas públicas, são necessárias, embora, por sua vez, não garanta à totalidade da sociedade, acesso igualitário aos seus serviços, superação da miséria e desigualdades sociais. Este outro lugar social da loucura pode ser construído por meio de nossas ações e estratégias no cotidiano dos serviços de saúde, no fortalecimento do SUS e investimento de recursos financeiros na RAPS, no rompimento do paradigma psiquiátrico, no estabelecimento de um modelo de cuidado pautado nos pilares da reforma psiquiátrica, que deve ser conhecida e defendida nos espaços de controle social, assegurando os direitos sociais e difundindo uma lógica de cuidado em liberdade e de base territorial, norteado pela atenção psicossocial.
Palavras-chave: Loucura. Luta antimanicomial. Reforma psiquiátrica. Saúde pública. Saúde mental. Rede de atenção psicossocial. Rio Branco/AC.