Prontuário e registro em saúde mental: história, significado e desafios

Acadêmico: Igor Germani Daminelli
 
Orientadora: Maria Lucia Boarini
 
Ano: 2025
 
Resumo: Este estudo tem como objetivo de investigar a importância do prontuário para a saúde em geral, e em especial, para a saúde mental. A despeito da importância dos registros escritos para a história e para o desenvolvimento dos complexos sociais, como na medicina, no campo da saúde mental nota-se a incipiência das discussões acerca dos prontuários do paciente. Pesquisas científicas na saúde mental que utilizaram os prontuários como fonte primária apontam a carência de informações no preenchimento desses documentos, culminando na insuficiência de dados para a compreensão da realidade do cuidado ofertado nos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A fim de compreender o atual estado de coisas, buscamos resgatar a história dos registros em saúde e seu processo de desenvolvimento até se estabelecerem como instrumentos imprescindíveis ao cuidado na lógica da clínica ampliada, desvelando as determinações sociais que fundamentam sua constituição. Para tanto, lançamos mão da análise crítica, inspirada na compreensão materialista histórica, de diversas fontes dos campos da medicina, da história, da saúde coletiva e da sociologia, bem como de legislações, cartilhas e documentos técnicos, caracterizando, portanto, uma pesquisa de cunho bibliográfico e documental. Os resultados indicam que o prontuário do paciente, que aparece atualmente como modelo de registro na saúde pública do Brasil, é fruto de um longo processo de desenvolvimento histórico, que passou de artifício de estudo a componente do método de ensino; posteriormente, a meio de exposição e compilação de achados científicos; e, na atualidade, a documento de valor jurídico, gestor dos processos financeiros subjacentes ao cuidado em saúde e com potencial como mediador e organizador do cuidado. Consideramos que o prontuário é um instrumento valioso no processo de cuidado dos usuários de saúde mental, especialmente no contexto da atenção em rede, tendo ainda valor histórico e científico. Contudo, em detrimento de seus benefícios, a lógica de organização dos dispositivos de saúde mental, a base epistemológica biomédica predominante na formação em saúde, o processo de financiamento do SUS e o deficit de investimento em saúde no Brasil resultam na subutilização de todo o potencial mediador dos prontuários, potencial que é reforçado pela Política Nacional de Humanização do SUS (PNH). Concluímos, portanto, que o prontuário, enquanto resultado objetivo da práxis em saúde, exige um conjunto de condições concretas para que possa realizar com efetividade as múltiplas funções que adquiriu ao longo da história. Essas funções o tornam um instrumento revelador do cuidado em saúde mental, a partir da lógica da atenção psicossocial, a depender de como é concretizado no cotidiano de trabalho. Com base em nossa análise, o prontuário é um dos principais fios que entrelaça a singularidade do sujeito e a totalidade da rede. Trata-se de uma construção ativa, capaz de desempenhar um papel significativo na ampliação dos direitos dos usuários e na transformação de suas condições concretas de existência, o que talvez só consiga ser alcançado com a superação do modelo político-econômico que privilegia mecanismos gerenciais de controle de gastos em detrimento de projetos societários verdadeiramente humanistas.
 
Palavras-chave: Prontuário. Registro em saúde. Integralidade no cuidado. Atenção Psicossocial. Política Nacional de Humanização do SUS (PNH). Sistema Único de Saúde (SUS).